segunda-feira, 16 de maio de 2011

Derrubando o mito



Começamos já dizendo que esse é um texto de esclarecimento, quase um desabafo, conjunto. Muitas vezes sentimos que as pessoas têm uma visão muito bonita e não muito realista do trabalho na “Indústria do Yachting", então, decidimos fazer alguns comentários.


Hoje deve haver algumas milhares de pessoas trabalhando neste mercado pelo mundo afora, na maioria ingleses, australianos, neozelandeses, alguns brasileiros e muitos outros que vivem longe de seus países, da família e daqueles amigos mais chegados.


A maior parte dos iates navega de maio a setembro no Mediterrâneo e de novembro a março no Caribe, evitando assim a temporada dos furacões que é justamente durante o verão no hemisfério norte. Para grande parte desses trabalhadores, não existem sábados, domingos, feriados, aniversários, Natais, reveillons e outras comemorações em que a maioria das pessoas está em casa junto aos seus. E sim, dizemos trabalhadores, embora muitos achem que vivemos como turistas pagos. Não é bem assim. Alguns barcos fazem as 2 temporadas, a do Caribe e a do Mediterrâneo, o que praticamente acaba com as tripulações, principalmente nos barcos que fazem charter, pois além do uso normal dos proprietários, os iates são alugados por valores que chegam a 300.000 euros por semana num iate de 60/70 metros. Na temporada o trabalho é insano, jornadas de 18 horas por dia são frequentes, deslocamentos de 5 dias -como já fizemos da Tunísia à Veneza - olhando o relógio com data para chegar e preparar o barco para mais duas ou três semanas intensas de trabalho, travessias oceanicas às pressas, sem falar nos muitos iates que ainda navegam através do Canal de Suez, passando pelas águas da Somália em comboios especiais para chegar as ilhas Maldivas e Seycheles e também a Indonésia.

Que motivos levam a este trabalho? Diversos. O gosto pela viagem, pelo mar, vocação, o fato de ganhar bem e economizar muito, oportunidade. De fato, os salários são muito bons comparados com os trabalhos em terra. As viagens quase sempre têm como destino os lugares mais interessantes que podemos encontrar. Isso atrai muitos jovens que iniciam a carreira como deckhands ou stewardess. No convés, cuidando da limpeza, manobras de atracação e ancoragem e também executando pequenos reparos; no interior, como third ou second stewardess ajudando nos trabalhos internos e no serviço cinco estrelas sempre muito exigido, não esquecendo da lavanderia e outras tarefas pesadas. Muitos dos jovens trabalham por temporada, aproveitando a oportunidade de viajar ganhando salário e economizando, já que as despesas com alimentação, moradia ou cuidados pessoais são custeadas. Aqui cabe um aparte. Muitos destes iniciantes entram no ramo como um meio de ganhar um bom dinheiro rápido, que pode tanto ser usado como um investimento para o futuro, ou ser gasto em farras off board. Essas pessoas normalmente trabalham em temporada e não por muito tempo.


Muito importantes neste sistema são os engineers, que cuidam das máquinas. Eles ficam longos períodos balançando dentro de salas de máquinas, algumas muito sofisticadas com salas refrigeradas e monitoramento remoto de todos os sistemas, mantendo os motores, dessalinizadores, geradores, ar condicionados, sistemas de tratamento de esgoto, tratamento de águas, eletrônicos e o terrível sistema elétrico, que talvez seja o mais problemático. Também os chefes de cozinha desempenham importante papel, tendo por trabalho proporcionar os melhores menus para os convidados, alimentar a tripulação, muitas vezes tendo que se adaptar a péssimas condições do tempo, o que torna a cozinha um lugar difícil de se estar, sem falar nas dificuldades de abastecimento de produtos, a depender de onde se esteja.


Sobre os oficiais e capitães, Alexandre deixa claro que cuidar disso tudo não é nada fácil, são muitas tarefas. Aqui funciona como um hotel, um restaurante, uma oficina mecânica, um escritório, uma agência de viagens, uma usina diesel-elétrica, que produz 64 KWA de energia para manter uma máquina produzindo 6000 litros de água potável por dia, 3 unidades de refrigeração de 60.000 BTU cada uma, gelando uma quantidade enorme de água para a refrigeração dos ambientes, 11 banheiros com um sistema de tratamento de esgoto, 5 cabines para convidados e 3 para a tripulação.


Quanto ao trabalho de stewardess, Gabriela diz que tudo deve estar organizado, limpo, perfeito, agradável, da mesa às cabines, de proa a popa. Deve-se organizar os roteiros de viagem, extraindo o melhor de cada lugar para proporcionar o melhor divertimento e memórias inesquecíveis, avaliando lugares sequer visitados ainda. O abastecimento de comida, bebidas, material de limpeza, tudo comprado em grandes proporções a ser organizado em espaços reduzidos. Coisas corriqueiras tomam tempo e dão trabalho. Comprar um belo vaso, pode render várias idas às lojas, até encontrar a peça certa, da medida certa, que compõe perfeitamente o ambiente. Considerando que estamos sempre em cidades diferentes, a procura por serviços e fornecedores pode ser difícil ou até decepcionante. E depois de tudo pronto para começar, aí vem a rotina diária de arrumação, organização e serviço. Quem já passou pela sensação de limpar o box do banheiro para deixa-lo impecável, sem manchas, com produtos de cheiro forte, chacoalhando pelas ondas? Tudo deve funcionar perfeitamente, todo dia, da lavanderia ao serviço de mesa, driblando os imprevistos que sempre ocorrem.


Fora isso, ainda devemos lidar com as variáveis metereológicas, de humor (afinal, 5 pessoas trabalhando intensamente em um ambiente limitado sempre traz alguma contrariedade), de rota.


E mesmo quando o barco não navega no inverno, há trabalho a fazer. Embora o ritmo seja menor, ainda temos que manter tudo em perfeita ordem, funcionando, e é a fase de reparações e revisões.


Mas é tudo só difícil? Lógico que não!! Gostamos do que fazemos, ficamos felizes quando tudo corre bem, quando os convidados estão satisfeitos, quando tudo está sincronizado, funcionando.

O que podemos dizer é que já somos viciados na eterna mudança, no novo. No verão de 2010 em 6 meses navegamos em 7 países - Itália, França (Corsega), Malta, Tunísia, Eslovênia, Croácia, Montenegro - terminando a temporada na Itália Adriática, onde ainda estamos aguardando o início da nova temporada. Agora nos espera mais um monte de portos desconhecidos e certamente repletos de lugares maravilhosos. Então vale a pena dizer que muitas das nossas fotos nessas paisagens são tiradas nos poucos minutos disponíveis entre uma tarefa e outra. Às vezes, o tempo para aproveitar nem sempre é muito, já fomos em lugares que nem conseguimos desembarcar para conhecer, mas quando conseguimos, nem que seja breve, é sempre uma bela experiência. Tiramos o melhor do tempo que temos. Afinal, ninguém é de ferro! Sendo assim, não se enganem com as fotos perfeitas e os sorrisos que enganam o cansaço. E não se surpreendam quando começarmos a divulgar fotos das nossas tarefas diárias. Faremos também a nossa parte para derrubar o mito.

Por Gabriela Nicodemos e Alexandre Israel

quarta-feira, 23 de março de 2011

Arrivederci inverno!


Para nos despedirmos do inverno em grande estilo, fomos no fim de semana a Passolanciano e Passo Tettone, no Parque Nacional della Majella, distante 30 minutos da marina. Em uma altura de 1650 metros, pode-se desfrutar de uma paisagem belíssima, alva, que transmite uma sensação de paz muito boa. E no horizonte, pode-se ver o mar! Além disso, há as diversas pistas para ski e snowboard e sempre muita gente aproveitando. Eu e Alexandre fizemos uma aula de ski há uns dias atrás, divertidíssima, mas muito cansativa! Nunca pensei que pudesse suar tanto na neve! E durante 2 dias senti dor nos ombros, resultado do esforço de impulso.



Alexandre sulla neve!



Efeitos especiais criados por Alexandre pra minha brincadeirinha!


Pinto no lixo!!!

Enfiando o pé na jaca!

Dia da aula de ski

Expert!

E o mar ao fundo!

domingo, 13 de março de 2011

Reflexos de um domingo preguiçoso

Domingo de manhã, céu nublado, frio lá fora. Nada melhor pra fazer do que ceder ao clichê e ficar preguiçosamente deitada, caneca de café, pijama de flanela, livro leve de crônicas várias. Assim fiz e retomei a leitura de Doidas e Santas, de Martha Medeiros, que comecei dias atrás. E um dos textos me chamou especial atenção, ao estabelecer um paralelo entre a vida feliz e a vida interessante. A primeira, a grosso modo definida como ter um emprego, ganhar dinheiro, casar, ter filhos. A segunda, aventurar-se, permitir-se coisas inusitadas. Eu posso dizer hoje que me permiti a “vida interessante”, mesmo que por vezes tenha desejado a “vida feliz”, que me parece talvez mais simples, mais cômoda, como conclui o próprio texto. Quantas vezes, ao preencher a ficha médica no consultório, fiquei na dúvida: “advogada” ou “stewardess” (e aí alguém pergunta: o que é isso?); “divorciada” (oficialmente) ou “casada” (de fato, não de direito)? Endereço? Eu, que tenho dois prenomes e dois sobrenomes, muitas vezes escolhi um ou outro, combinei-os diferentemente, como quem escolhe uma ou outra identidade. Afinal, para que rótulos? Nada muda o essencial, o meu perfil, quem sou, mesmo que seja múltipla. E, com certeza, mesmo que vivesse o padrão da “vida feliz”, ainda assim faria dela uma “vida interessante”, não conseguiria me conter, sei disso.

Sendo assim, segue o texto de Martha Medeiros com o qual me identifiquei:

UMA VIDA INTERESSANTE

E, se eu lhe disser que estou com medo de ser feliz pra sempre?" pergunta ao seu analista a personagem Mercedes, da peça Divã, que estréia hoje em Porto Alegre.

É uma pergunta que vem ao encontro do que se debateu dias atrás num programa de tevê. O psicanalista Contardo Calligaris comentou que ser feliz não é tão importante, que mais vale uma vida interessante. Como algumas pessoas demonstraram certo desconforto com essa citação, acho que vale um mergulhinho no assunto.

"Ser feliz", no contexto em que foi exposto, significa o cumprimento das metas tradicionais: ter um bom emprego, ganhar algum dinheiro, ser casado e ter filhos.

Isso traz felicidade? Claro que traz. Saber que "chegamos lá" sempre é uma fonte de tranqüilidade e segurança. Conseguimos nos enquadrar, como era o esperado. A vida tal qual manda o figurino. Um delicioso feijão-com-arroz. E o que se faz com nossas outras ambições?

Não por acaso a biografia de Danuza Leão estourou. Ali estava a história de uma mulher que não correu atrás de uma vida feliz, mas de uma vida intensa, com todos os preços a pagar por ela. A maioria das pessoas lê esse tipo de relato como se fosse ficção. Era uma vez uma mulher charmosa que foi modelo internacional, casou com jornalistas respeitados, era amiga de intelectuais, vivia na noite carioca e, por tudo isso, deu a sorte de viver uma vida interessante. Deu sorte? Alguma, mas nada teria acontecido se ela não tivesse tido peito. E ela sempre teve. Ao menos, metaforicamente.

Pessoas com vidas interessantes não têm fricote. Elas trocam de cidade. Investem em projetos sem garantia. Interessam-se por gente que é o oposto delas. Pedem demissão sem ter outro emprego em vista. Aceitam um convite para fazer o que nunca fizeram. Estão dispostas a mudar de cor preferida, de prato predileto. Começam do zero inúmeras vezes. Não se assustam com a passagem do tempo. Sobem no palco, tosam o cabelo, fazem loucuras por amor, compram passagens só de ida. Para os rotuladores de plantão, um bando de inconseqüentes. Ou artistas, o que dá no mesmo.

Ter uma vida interessante não é prerrogativa de uma classe. É acessível a médicos, donas de casa, operadores de telemarketing, professoras, fiscais da Receita, ascensoristas.

Gente que assimilou bem as regras do jogo (trabalhar, casar, ter filhos, morrer e ir pró céu), mas que, a exemplo de Groucho Marx, desconfia dos clubes que lhe aceitam como sócia. Qual é a relevância do que nos é perguntado numa ficha de inscrição, num cadastro para avaliar quem somos? Nome, endereço, estado civil, RG, CPF. Aprovado.Bem-vindo ao mundo feliz.

Uma vida interessante é menos burocrática, mas exige muito mais.

Fotos de Pescara






Como havia prometido antes, algumas fotos de Pescara, tiradas domingo passado. Essa ponte, feita para pedestres e ciclistas, liga a área da marina e porto ao centro da cidade.

terça-feira, 8 de março de 2011

Crônica de Carnaval

Vi um editorial esses dias que ressaltava as mazelas de Carnaval. Eu nunca fui uma grande foliã, quase sempre preferi o conforto do lar, nunca paguei por um abadá ou uma camiseta de bloco, nunca peguei um vôo para ir especialmente à folia de Salvador - embora já tenha estado na cidade inúmeras vezes, sequer estive em Olinda ou Recife em tempos momescos. Ao mesmo tempo, também já saí em blocos de rua e festejei, me fantasiei, dancei, inclusive em outras festas ao longo do ano, as músicas lançadas durante o carnaval. Ou seja, posso também falar com conhecimento de causa.

O Carnaval é uma festa mundial, festejado e apreciado em diversos cantos do mundo. Em Veneza, caracterizado por suas máscaras e fantasias luxuosas, realmente elitistas, onde o auge da festa talvez seja andar por aquelas ruas históricas e se fazer fotografar pelo maior número de turistas e jornalistas vindos de toda parte do mundo. Em recantos da Sardenha, há um similar do “bumba-meu-boi” brasileiro e cavaleiros medievais com lanças. Em Trinidad, semelhante às nossas escolas de samba lascivas, orgulham-se de dizer que tem o melhor e maior Carnaval do mundo, ignorando o compatriota latino-americano Brasil.

Sim, o Brasil tem provavelmente o maior e melhor carnaval do mundo. Maior, talvez por ser equivalente às nossas proporções geográficas e demográficas, já que as festividades se espalham por vários lugares do país, ganhando culturas, tradições e cores diversas, mas sempre reunindo grande público, quase sempre popular, e não privilegiados de bolsos plenos. Melhor, justamente por sua diversidade, já que reunimos ritmos como o samba, o frevo, a música baiana, o maracatu. Este último é um excelente exemplo de tradição popular e arte. Festejo carnavalesco mantido pela comunidade, que se dedica esperando o dia de caracterizar-se e desfilar pelas ruas exibindo seu trabalho, orgulho e tradição.

Entretanto, há sempre o lado negativo, é verdade. De fato, grandes empresas detentoras de blocos e trios elétricos e outras agremiações ganham muito dinheiro, comercializando seus trajes, vendendo direitos de imagem televisiva, promovendo seus artistas para se manterem em alta o resto do ano e nos demais carnavais fora de época espalhados pelo país. Mas, ei, artista profissional também ganha direito, oras! Afinal, poucos escritores publicam livros para distribuir gratuitamente, jornalistas não trabalham só pelo honroso encargo de democratizar a informação, poucos são os médicos que atendem absolutamente de graça, nem juízes, promotores ou advogados exercem suas funções apenas para garantir o acesso à justiça cega e equânime a todos. Mas voltando ao carnaval, sim, os artistas ganham dinheiro e os blocos e escolas de samba vendem o direito de desfilar entre seus agremiados, mas, no entorno, está a famosa “pipoca”, a comunidade, inúmeros, sem distinção de sexo, cor, raça ou conta bancária, que invadem as ruas e são os verdadeiros responsáveis por render a festa grande. E há os blocos e agremiações gigantes e sem cordas, como o Galo da Madrugada e o nosso Muriçocas do Miramar. Sim, o poder público incentiva com recursos financeiros a fábrica de festa, mas não seria o caso de fiscalizarmos melhor o montante e o uso que fazem do dinheiro e cobrarmos a prestação de contas, do que simplesmente condenar tal destinação? E isso não valeria para todos os incentivos culturais, como as subvenções artísticas ao cinema, ou ao teatro, por exemplo? Ou mesmo as não culturais, como os valores destinados a escolas e hospitais mal aplicados?

Seria simplista reduzir o caráter econômico do carnaval aos vendedores ambulantes. O turismo é uma indústria existente e bem explorada mundo afora e nós temos a ferramenta festiva para incentivá-lo. Afinal, não é segredo quanto o país ganha com o seu desenvolvimento, através de prestadores de serviços, setores hoteleiros e gastronômicos, entre outros, sem considerar a publicidade que rende novas investidas turísticas.

Sim, vemos mais ambulância e polícia nas ruas do que no cotidiano, e isso revolta, mas o errado não é estarem lá nos dias de festa, mas sim, faltarem nos dias comuns. Ontem um amigo me falou que estava em um carnaval em Dusseldorf, com centenas de pessoas nas ruas, fantasiadas, dançando, bebendo e fazendo loucuras, sob o olhar atento da polícia e a assistência das ambulâncias. Mas na Alemanha, elas estão lá nos demais dias também.

No Carnaval as pessoas bebem demais, brigam demais, amam demais e erradamente. Mas isso também acontece quando não tem festa! Porque a camisinha que está ausente na folia, também falta no encontro furtivo na escola, atrás do muro nos fundos do baile funk, em casa quando os pais saem, ou no carro do namorado lindo que ama tanto. A culpa é do Carnaval? Não, a culpa é da falta de educação durante todo o ano, da falta de conscientização, de orientação. E isso inclui os motoristas bêbados, neste caso com um agravante, a falta de fiscalização e de devida punição. E quem dirige alcolizado, faz isso não só no carnaval.

Erros, falhas, excessos acontecem sempre, com ou sem festejos. Não sejamos maniqueístas. Não há só um lado da história, e no carnaval, certamente, não há só o lado ruim. Concordo que essas ocasiões rendem músicas depreciativas e de gosto duvidoso, mas o que se dizer dos grandes nomes e suas grandes obras, a começar de Noel Rosa e Cartola, ou de Alceu Valença, ou Gil, Caetano... E porque não celebrar Daniela Mercury e Ivete Sangalo, entre tantos outros? Eu particularmente não sou a maior fã do empurra-empurra, dos bêbados inoportunos e briguentos, do trânsito caótico, mas gosto de saber que se pode festejar um bom carnaval, memorável, cantar e dançar, rir, colocar a melhor fantasia e escutar o tum tum tum da bateria, nem que seja na televisão. Portanto, não culpemos o Carnaval e deixemos a quem é de festa, a festa.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Buona permanenza!


Hoje Alexandre viajou para fazer um curso na França e eu fiquei no barco, só. É uma situação sempre difícil, porque, embora seja bom ter um tempo egoisticamente organizado para si tão somente, a sensação de isolamento que estamos sentindo nos últimos tempos fica mais evidente nessas ocasiões. Pescara é uma cidade bonita, bem desenvolvida, com uma orla agradável e ruas cheias de pessoas indo e vindo. Mas aqui não conseguimos até agora estreitar nossos laços, fazer grandes amizades, estabelecer aquele canto preferido que sempre nos trará memórias. Posso passear, andar por aí, mas sempre falta alguma coisa, falta uma destinação, mesmo que seja ir até o café que faz sua cioccolata calda preferida. Bem diverso do que aconteceu na Sardenha, onde não nos sentíamos estrangeiros, mas sardos. Lia o jornal local todo dia, comentava as notícias, ia ao Kult jantar e encontrávamos sempre a divertida garçonete Cristina, visitávamos sempre Paola e sua família acolhedora, o que nos rendia sempre momentos felizes, ia a secretaria da marina para conversar com Maria, ríamos das histórias de Gianni e Marcello, íamos a praia, onde Alexandre fazia windsurf em um mar gelado e eu tirava fotos abrigada sob vários casacos ou dentro do carro.

Depois de deixar Alexandre no ônibus, voltava pensando nisso tudo, nostalgicamente mesclando memórias brasileiras e sardas, quando, chegando à porta do barco, encontrei um senhor de idade que o olhava encantado. Quando fiz menção de entrar, ele me perguntou se essa maravilha era minha. Disse que não, que trabalhava e morava nele com meu marido ao que ele disse que nos invejava, que era uma bela vida. Concordei, é de fato uma bela vida, e conversamos por alguns minutos. Ele estava na marina para tentar fotografar a regata de veleiros, que eu nem sabia que teria hoje. Perguntou da travessia, se eu sentia medo, quão grande era o barco, se já era carnaval no Brasil e orgulhosamente contou que havia fotografado o iate de Dolce e Gabanna em uma marina em Lavagna. Seu neto arquiteto morou no Brasil por anos, onde exerceu a profissão e, apesar de amar nosso país, voltou para trabalhar com o pai em seu escritório e também por sentir uma certa sensação de deslocamento. Ironia, será que lê pensamento?

Aí então, ao nos despedirmos, ele disse uma frase simples, que nem imagina o quanto significou para mim. “Arrivederci e buona permanenza”. Ah! É justamente isso que espero! Bons tempos, uma boa estadia aqui, até recomeçarmos nossas navegadas mar afora. Sendo assim, em homenagem a cidade que me abriga agora, publico uma foto tirada a partir do barco, que reflete um novo olhar que agora adoto, mais generoso e despretensioso. Quem sabe, o problema não é necessariamente o lugar, mas o apego que sempre temos às memórias queridas.